Yanomamis, uma tragédia sem volta

O Brasil é palco de uma das mais horrendas tragédias humanitárias, para tristeza de todos nós. A ganância, a irresponsabilidade, a fúria criminosa e a omissão do Estado, em vários níveis, transformaram o território dos índios yanomamis numa espécie de campo de concentração, transcorridos cerca de oitenta anos da barbárie da segunda guerra mundial. Entre os bebês de menos de um ano, a mortalidade por desnutrição e doenças evitáveis ficou em 114,3 a cada mil nascidos em 2020, conforme dados da Missão Yanomami do Ministério da Saúde. A vergonhosa marca supera à de Serra Leoa, África, país que detém o maior índice do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas. Por lá, a contabilidade é de 78,2 mortes a cada mil nascimentos ao ano. Dias atrás, soubemos que quatorze crianças yanomamis diagnosticadas com desnutrição grave ganharam peso, sendo que seus quadros entraram no patamar de moderados. Os pequenos são da faixa etária entre 6 meses e 5 anos, que vem sendo monitorada pela Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de Boa Vista, Roraíma. Daqui pra frente, talvez vejamos mais uma ou outra notícia “alvissareira” sobre os indígenas vitimados pelo garimpo ilegal. É preciso pontuar, contudo, que os yanomamis jamais voltarão a ser o mesmo povo. Os danos culturais, ambientais, sanitários e humanos são irrecuperáveis. Fato é que crianças que passaram por episódio de desnutrição tão severa podem até ganhar peso, mas terão sequelas cognitivas e tantas outras. As meninas violentadas por garimpeiros tendem a sofrer traumas emocionais importantes e continuados. Muitos dos adultos jamais recuperarão a força e a saúde. O território yanomami foi devastado. Mataram os rios, os peixes, o solo. Ceifaram o futuro. Precisaremos de cem ou mais anos para um processo de recuperação parcial. Claro, é uma tragédia anunciada de origem histórica. Porém, apurar responsabilidades, julgar e punir a todos que para ela contribuíram é uma obrigação das autoridades. O mundo olha para o Brasil estarrecido. Nós, simples mortais da terra, também compartilhamos dor e indignação. No entanto, é necessário mais do que isso: temos de nos unir para que nada igual acontece nunca mais nem em nosso país nem em qualquer outro ponto do planeta. Como diz o poeta: gente é pra ser feliz, não para morrer de fome. Por: Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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