Consignado no Auxílio Brasil agrava risco de superendividamento dos beneficiários
Medida, que entrou em vigor nesta terça-feira, 27, pode gerar uma onda de dívidas entre a parcela mais pobre da população
O Governo Federal publicou nesta terça-feira (27) a portaria 816/2022 que estabelece como deve funcionar o empréstimo via crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil. Apesar de a medida garantir um limite para juros, o valor é alto, maior do que o consignado para aposentados e pensionistas. O que pode gerar um ainda maior superendividamento da população mais pobre do país.
São vários os problemas encontrados na portaria feita pelo Ministério da Cidadania. O primeiro e mais perigoso são os juros que podem ultrapassar a casa dos 50% ao ano. Além disso, serão retirados da conta dos beneficiários 40% do valor do Auxílio Brasil, ou seja, R$160 reais. Com isso, o valor que ficará em conta será de R$ 240,00, menor do que o já ínfimo mínimo existencial de R$ 303,00. O que gera uma contradição entre as duas legislações vigentes.
A portaria também não garante a continuidade do programa e deixa claro que, se a pessoa deixar de receber o Auxílio Brasil, ela vai continuar a ter que arcar com a dívida do empréstimo, mesmo que não tenha dinheiro para isso. Um salto para criar dívidas eternas entre a população mais pobre do país. “É bom lembrar que o Auxílio Brasil não está previsto no orçamento do ano que vem. Se isso não mudar, as pessoas terão uma dívida de milhares de reais e sem dinheiro para poder quitá-la”, afirma Ione Amorim, coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Para ela, a medida é um descaso com o direito fundamental à dignidade humana da população brasileira. “A nova portaria, que regulamenta a concessão do crédito consignado aos beneficiários do Auxilio Brasil com menos de uma semana das eleições, é um desrespeito às famílias brasileiras que vivem em situação de extrema pobreza. As medidas anunciadas demonstram um debate apressado e raso sobre a sua aplicação e riscos de maior endividamento da população mais pobre”, confirma a economista em posicionamento oficial do Idec.
Outros pontos questionáveis são o da proibição de propaganda e de pré-cadastro, que inclusive já foi realizado por instituições financeiras, mas que não explica como essa proibição será feita ou fiscalizada. Os contratos são de dois anos, mas podem gerar dívidas que não prescrevem, ou seja, eternas.
Além disso, a portaria se contradiz ao dizer que é proibido o uso do cartão de crédito consignado em uma parte do texto, mas que traz em outra a possibilidade de 5% do valor emprestado ser feito por esse mesmo tipo de cartão.
Com a tentativa de adiar a regulamentação para uma melhor participação da sociedade civil na oferta do consignado, o Idec junto com a Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto (SP) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo fizeram a campanha “Em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável”. Foram mais de 22 mil pessoas, dentre consumidores, autoridades e instituições que assinaram e apoiaram a nota.
Agora, com a regulamentação sem um debate aprofundado por parte do Governo Federal, a luta é para que a medida seja revogada por via política ou judicial.