Cerca de 60% dos brasileiros sofrem de algum grau de somatização

Em 10 de outubro é celebrado o Dia Mundial da Saúde Mental. Um dos aspectos que têm chamado atenção é a importância de buscar equilíbrio entre a saúde física e mental. Segundo a psiquiatra Danielle H. Admoni, supervisora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM), para haver este equilíbrio, é essencial entender que não existe uma divisão entre mente e corpo; ambos são interdependentes e correlacionados. “No transtorno de somatização, um fenômeno contemporâneo, o psíquico influencia o lado biológico, enquanto o sofrimento físico afeta a mente”.

Exemplo disso são os crescentes casos de pessoas com queixas de dores, mal-estar e sintomas persistentes, cujos exames clínicos e de imagem não apresentam qualquer alteração. “Por exclusão de causas orgânicas, são comorbidades que costumam ter origem emocional”, diz Admoni.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizado em 15 países, incluindo o Brasil, apontou que uma média de 50% das pessoas que procuram atendimento médico são submetidas a exames clínicos e de imagem, mas não apresentam uma doença física constatável, reconhecível e catalogável pela Classificação Internacional de Doenças (CID). Só no Brasil, a média de pessoas que sofrem de algum grau de transtorno de somatização chega a 60%.

Como o transtorno se manifesta

Segundo Monica Machado, psicóloga e fundadora da Clínica Ame.C, quando a sobrecarga física ou emocional é muito grande, há um desequilíbrio no funcionamento do organismo.

Um levantamento da StarCheck (da Healthtech Starbem) mostrou que 48,59% dos brasileiros que realizaram exames nos últimos seis meses apresentaram níveis de estresse elevado.

Um dos responsáveis pelo processo da somatização é o cortisol, um hormônio neurotransmissor que, em níveis equilibrados, exerce importantes funções orgânicas, como regular o metabolismo, o sistema cardiovascular, a imunidade, o humor e a resistência à dor. Também auxilia no controle da energia do corpo, para ser usada em momentos considerados como ameaça ao indivíduo.

Entretanto, segundo Claudia Chang, doutora e pós-doutora em Endocrinologia e Metabologia pela USP, quando uma pessoa está sob forte estresse ou ansiedade, o cérebro entende que se trata de uma situação de alerta ou perigo, e ocorre uma hiperestimulação de produção do cortisol no organismo.

“Ou seja, há uma maior liberação do hormônio na corrente sanguínea, fazendo com que seus níveis fiquem acima do normal e comprometam o desempenho de várias funções, incluindo o humor e a imunidade”.

“Como resposta, o indivíduo fica mais vulnerável emocionalmente e suscetível a doenças e sintomas somáticos, que podem incluir desde dores de cabeça a palpitações”, diz Claudia Chang, que é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

O que define um paciente somatizador

“Como não é possível separar mente e corpo, o ideal é que os profissionais de diferentes especialidades comecem a olhar para cada paciente de uma forma holística, integral, avaliando a pessoa como um todo”, reflete a psicóloga Monica Machado, que também é pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

De acordo com as diretrizes diagnósticas do CID, para ser considerado somatizador, o paciente tem que apresentar mais de três sintomas, de sistemas orgânicos diferentes, por mais de dois anos:

– Dolorosos: dor de cabeça, dor nas costas ou dor articular.

– Gastrointestinais: náusea, diarreia ou vômito.

– Cardiorrespiratórios: falta de ar, palpitação ou aperto no peito.

– Neurológicos: lapsos de memória, visão embaçada/turva ou dificuldade de raciocínio.

– Sexuais/Reprodutivos: baixa libido, dores na relação sexual ou alterações no ciclo menstrual.

A psiquiatra conta que, além da recusa de aceitar que não há explicação física para seus sintomas, a pessoa com o transtorno costuma ter uma preocupação desproporcional ao que sente.

“As queixas também resultam no comprometimento social, familiar e profissional, além de afetar outros aspectos da vida”, completa Admoni, especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Gatilhos da somatização

Diariamente, somos afetados por um turbilhão de emoções e pensamentos de todos os tipos. “É claro que, como seres humanos, é difícil manter uma ‘linha reta’ quando o assunto são nossos conflitos mentais, pontua Monica Machado.

Segundo as especialistas, estar sob forte pressão no trabalho, ter passado por um rompimento amoroso abrupto, pela perda de um ente querido ou estar com problemas financeiros, são situações típicas que podem levar o indivíduo a uma condição de estresse, ansiedade e tristeza tão grave que se torna inevitável o desequilíbrio emocional e orgânico.

Danielle Admoni, que também é especialista em Infância e Adolescência, relata que, na criança, é comum que as emoções sejam manifestadas fisicamente. “Isso ocorre porque, na primeira fase da vida, há uma maior dificuldade em nomear a dor psíquica. Cabe aos pais prestarem atenção no comportamento dos filhos e saber identificar se há algo de errado”.

O que fazer para evitar ou tratar o transtorno de somatização

Se não houver tratamento, o transtorno gera um ciclo vicioso: mente afeta o corpo e vice-versa.

Monica explica que o tratamento da somatização é multidisciplinar, envolvendo a participação de médicos, psicólogos e psiquiatras. “O objetivo é ajudar o paciente a entender a relação entre seus sintomas físicos e sua saúde mental, e a desenvolver mecanismos de enfrentamento para lidar com o estresse e as emoções negativas”.

Tratamento médico: é importante para descartar qualquer condição médica subjacente que possa estar causando os sintomas. Os médicos podem realizar exames físicos, solicitar exames laboratoriais e de imagem.

Tratamento psicológico: é essencial para ajudar o paciente a entender a relação entre seus sintomas físicos e sua saúde mental. Segundo a psicóloga, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem eficaz para o tratamento da somatização. “A TCC ajuda o paciente a identificar e mudar os pensamentos e comportamentos que contribuem para os sintomas”, complementa Monica Machado.

Tratamento psiquiátrico: em alguns casos, ele pode ser necessário. Conforme a especialista da ABP, os medicamentos antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a reduzir os sintomas associados de ansiedade e depressão.

“Cuidar da saúde mental é fundamental para o autoconhecimento e para entender os alertas que o corpo emite. Em momentos conturbados, estes sinais aparecem constantemente e nunca devem ser negligenciados. Daí a importância de procurar ajuda de um médico especializado ao menor sinal de que algo não vai bem”, finaliza Danielle Admoni.

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