Mineira, 93 anos, Mariinha Naves mudou-se em 1951 para a antiga Vila Boa
Goiânia – São muitas histórias, em locais distintos e distantes, nesses 93 anos completados no dia 16 de dezembro de 2021. Maria Peres Naves Gomes, conhecida como Mariinha, é a segunda dos 14 filhos do casal Sophia Rosa Naves e José Peres, ambos nascidos no Triângulo Mineiro, do início do século anterior, e que se transferiu com seus familiares em 1951 para Vila Boa, a antiga capital de Goiás. Foi mantida a tradição de trabalho na agropecuária, e com os filhos buscando novas atividades produtivas e profissionais.
Mariinha nasceu no distrito de Nova Ponte – região que acolheu os Naves quando os dois primeiros se mudaram de Lavras, MG, e que até 1923 se chamava São Miguel da Ponte Nova, tendo que alterar o nome para não confundir com a cidade de Ponte Nova, na Zona da Mata mineira –, município de Sacramento, MG, e que foi emancipado como cidade 15 anos depois (Decreto-Lei nº 148, de 17 de dezembro de 1938), Mais tarde, na década de 1990, com a inundação do rio Araguari para construção de uma usina hidrelétrica, a cidade foi reconstruída em local mais alto na região.
Ela se lembra de sua distante juventude, quando ajudava os pais no descaroçar do algodão para produzir roupas de cama e de vestir, e também o trabalho com as folhas de fumo, para produção de cigarros. Iam, nos finais de semana, até o pequeno povoado para as visitas, venda de seus produtos e compra de mantimentos e equipamentos de trabalho, e participar de festejos.
No caminho para as idas à cidade a agradável passagem pela fazenda dos tios Elvira Rosa Naves e José Rodrigues Naves, para boas conversas; eles criavam porcos e gado. Elvira Rosa, que integra a sétima geração dos Naves brasileiros, era irmã do avô dela, Lafaiete Naves de Oliveira, que se casou duas vezes e em ambas com mulheres chamadas Etelvina, com as quais teve quatro filhos, sendo que apenas uma com a primeira mulher e que se chamou Sophia, nascida em 1911, em São Miguel da Ponte Nova. Foram três os filhos do segundo casamento de Lafaiete: Antônio, Fernando e Alamin. Outro irmão de Elvira Rosa, Antônio Lisboa Naves, era vizinho da propriedade rural deles.
Numa época em que predominava a atividade rural, Lafaiete se dedicou à agricultura. Tinha um engenho de cana de açúcar em sua fazenda, nesse município. Certo dia, talvez por descuido, a engrenagem do engenho engoliu a mão dele, moendo-a, e foi um sufoco total, logo providenciada a remoção dele para a cidade, para o devido tratamento médico-ambulatorial, mas já não era mais possível recuperar aquele membro. Como consequência, passou a andar com certa dificuldade. Ele ia para o povoado em seu cavalo, e às vezes seguia a pé. Depois, vendeu essa propriedade e foi morar na cidade.
Sophia Naves
Sophia Rosa Naves casou-se, aos 13 anos de idade, com José Peres, mineiro de Patrocínio; a primeira filha se chamava Carmosina e, a segunda, Mariinha, de 1928. Cuidou da família e orientou os filhos no trabalho e na convivência em comunidade. “Foi uma guerreira, lutou muito”, reconhecem todos que com ela conviveram. Ele criou gado e plantou roças de milho, arroz e fumo – nessa cultura de plantas com caule único e ereto, com cerca de dois metros de altura, com 18 a 26 folhas grandes e de tamanho variado, entre 10 e 20 cm de largura, toda a família ajudava nas diversas fases do processo, desde a colheita ao desfolhar e produção do rolos, para comercialização.
Mariinha conta que ela e o pai levantavam de madrugada, pegavam um jacá para colocar a folha de fumo; ela carregava o balde de água para o pai molhar as folhas, que depois eram colocadas no jacá. Ela e outras mulheres estalavam (arrancavam os talos) as folhas de fumo, e o pai e um ajudante cochava (torcia) as folhas para fazer o rolo de fumo; tinham que tocar a manivela que torcia o fumo e colocar no sol todos os dias até secar.
Existia ainda a plantação de algodão, e a família inteira igualmente participava do plantio, colheita, descaroçar e fiação. Sophia tinha o tear para tecer o tecido e uma ajudante nessa tarefa.
Simpática, sempre presente e acolhedora, Sophia se tornou um símbolo na família e até o momento são oito, algumas com o nome escrito com “ph”, como a bisavó, e outras com “f”. Ela veio de MG grávida da 14ª filha do casal, Sofia Peres Naves, que nasceu 40 dias depois da chegada a Goiás. Sophia faleceu em 1982, de câncer no fígado.
Graciano
No início dos anos 1940 Graciano Peres, pai de José, tinha uma casa espaçosa em Monte Carmelo, com quintal grande e muitas frutas, em especial mangueiras, com as mangas sendo utilizadas também na alimentação de porcos.
Certo dia, viajou para vender e comprar novos animais, quando o abordaram, no povoado de Capelinha do Chumbo, perto de Patrocínio, para roubar seu dinheiro e, na fuga, o assassinaram. Mariinha lembra o dia que o pai dela recebeu a carta com essa notícia, com uma tira de pano preto em sinal de luto.
Mudança para Goiás
Por volta de 1949 a família decidiu dar uma guinada em sua rotina e vendeu o sítio que tinha em Nova Ponte, em torno de 15 alqueires, que permitiu comprar uma área maior, 120 alqueires, no município da antiga capital goiana. Porém, Sophia Naves e Juvenil Martins, já casado com a primogênita da família, Carmosina, na época não queriam se mudar para Goiás. Só em 1951 é que eles realmente decidiram vir para o estado, instalando-se na região dos Ferreira, que hoje se chama Novo Brasil, continuando suas atividades na lavoura.
A viagem, em dois caminhões grandes – um do Aristides, irmão do José Peres e que tinha uma cerâmica em Vila Boa, mas residia em Anápolis e depois se mudou também para a antiga capital, e o outro do Lico, de Araguari, MG, um aparentado de Sophia Naves –, foi uma aventura, durando cinco dias o percurso de aproximados 500 km que separavam Nova Ponte de Vila Boa. Em muitos trechos não havia estradas, os caminhos eram utilizados apenas por carros de bois, com as paradas se dando em locais com água farta, para o banho dos adultos e das crianças, alimentar os animais, acomodação de todos e abastecer os potes para continuar a viagem.
A última parada foi em Itauçu, que ficava uns 70 km antes da cidade de Goiás, e esse trecho foi feito em um dia, começando na madrugada, com o clima mais ameno, e terminando no final da tarde.
Manoel Renato
Manoel Renato chegou a Vila Boa em meados dos anos 1950. Natural de Currais Novos, RN, nasceu no dia 30 de março de 1933. Ainda bem jovem, deixou a casa dos pais José Renato Gomes e Teodora Ursina Gomes, no sítio Liberdade, para morar nessa cidade com a família de uma tia, para estudar. Depois andou por vários lugares a trabalho, como o Paraná, até que chegou a Goiás. Na antiga capital goiana ele trabalhou na Casa Paulista, de tecidos. Quando o Sr. Alberto se mudou para Goiânia, ele abriu uma loja de tecidos em Jussara. Na época conheceu Mariinha e namoraram por aproximadamente um ano.
Nesse período, mudou-se com a loja para Itapirapuã, casaram-se em 20 de julho de 1960 e se instalaram nessa cidade. Mariinha ficou grávida da primeira filha. Quando o dono do ponto vendeu o prédio eles voltaram para Goiás, com as mercadorias. Montou a loja na Rua 15 de novembro, momento em que nasceu a primogênita, Albaniza, mas o negócio não deu certo e ele vendeu o que ainda tinha. Então foram para a zona rural, na fazenda de José Peres, onde moraram uns dois anos. Plantou lavoura, mas também não deu certo.
Voltaram para a cidade de Goiás, onde ele trabalhou na Casas Pernambucanas. Nasceram Albanice e José Renato. Em seguida foi contratado para a gerência da Casa Riachuelo em Itapuranga, nela permanecendo até o fechamento da loja; ele ainda tentou um negócio em Itapirapuã, mas acabou voltando para Goiás, onde ficou a partir de então. Após esse retorno nasceu Albanira, que faleceu aos dois anos de idade.
Depois do casamento Mariinha continuou costurando bastante para os filhos e também passou a pegar encomendas para ajudar no sustento da família. Grávida de sete meses da segunda filha, Albanice, em 1964 sofreu um acidente, levando um choque elétrico ao passar roupa, sendo arremessada no chão e quebrado a perna direita; em decorrência da fratura teve um encurtamento nessa perna.
Em 1975 ela caiu na cozinha de casa e fraturou a outra perna, o que a obrigou a colocar platina. Levou um ano e oito meses para voltar a andar. Nesse período, apesar de não conseguir andar, ainda cortava e costurava; por causa disso também passou a sentir muitas dores na coluna, período em que aprendeu a fazer crochê com uma vizinha. Ela tinha aprendido a bordar com a mãe Sophia, mas não se dedicou à atividade, e foi justamente quando estava se recuperando que voltou a bordar.
Mariinha se aposentou em 1984 por invalidez, em 1985 parou de costurar e passou a fazer mais crochê e bordados, que até hoje fazem parte de sua rotina diária.
Filhos e netos
Dos quatro filhos de Mariinha e Manoel Renato apenas José Renato manteve o nome da família Naves, pois foi ele próprio quem fez o registro.
Albaniza se casou com Márcio Antônio Mateus e tiveram três filhos: Priscila, Daniel e Melissa, todos nascidos na cidade de Goiás. Divorciada, ela é artesã, uma das sócias fundadores da Associação Mulheres Coralina, que detém os direitos autorais para utilizar a marca Cora Coralina, e produz trabalhos manuais, como bordados, cerâmica e folhas, utilizando frases da famosa escritora goiana. Dos filhos, Priscila é formada em Direito e professora de Língua Inglesa, e tem uma filha, Sophia, 13 anos; Daniel, formado em Publicidade, trabalha num banco, e a mulher dele, Gabriela Vieira, é odontóloga; e Melissa costura, tem um atelier, e o marido, Matheus Mendonça, faz projetos de rede elétrica.
Albanice tem dois filhos, de dois casamentos: Ana Carolina, goianiense, com Antônio Lesse de Matos, e Emanoel Ricardo, brasiliense, com o advogado Antônio Braz de Almeida. Ela se formou em Design de Modas no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), hoje centro universitário, e se dedica à costura, com um atelier em sua casa, e a ministrar aulas de costura. Ana Carolina é gerente de vendas da empresa ‘Peça Rara’, em São Paulo; e Emanoel Ricardo faz o curso universitário de Design Gráfico em Brasília e já trabalha na área, tendo montado um estúdio em casa.
José Renato Naves Gomes seguiu os passos profissionais do pai, atuando na área comercial, num aprendizado que a vida lhe permitiu. Estudou até o ensino médio, formando-se em contabilidade, no Colégio Estadual Professor Alcide Jubé, na cidade de Goiás. Aos 18 anos, em 1984, decidiu organizar sua vida e se mudou para Brasília, indo morar na casa dos padrinhos Regina Iris e Francisco Renó Gomes. Completou seus estudos contábeis no Colégio Projeção, em Taguatinga, Distrito Federal
A partir daí começou sua trajetória profissional e empresarial: de início, um escritório de contabilidade, uma passagem pelo Bradesco, e a sequência de empresas – a primeira foi uma loja de materiais de construção, depois passou pela Casas Alô Brasil, do grupo José Alves, e pelo atacadista Mercado Guarapari, onde ficou uns dois anos, quando decidiu ter seu próprio negócio, o Supermercado Lucro Certo, com o qual ficou por 15 anos; teve empresa de propaganda, depois uma madeireira, vendida posteriormente; e finalmente se fixou com a empresa de mídia exterior e outdoor, à qual se dedica há 20 anos.
Casado com a prima Arimá, nascida em Currais Novos, eles têm três filhos, todos brasilienses – Renato, Brenda e Roberto –, e adotaram Diego Iago.